A História da Grã-Bretanha 6/15 Ardentes Convicções (legendado-Ativar legendas)


Uploaded by terradosolemar on 29.05.2012

Transcript:
Há fantasmas neste lugar.
Não se notam imediatamente.
À primeira vista, Binham Priory em Norfolk
é muito semelhante a qualquer outra igreja de campo,
simples, pedra calcária, gesso. Nada realmente impressionante.
Mas olhemos em volta e percebemos que há algo mais aqui.
Este grandioso teto abobadado de madeira. Estas arcadas de vários pisos.
Não são um pouco grande demais para uma igreja?
E então começamos a imaginar
e pouco a pouco, um mundo perdido reaparece,
um mundo de monges e missas, de cor e cantos litúrgicos.
Um mundo de imagens brilhantes.
O mundo da Inglaterra católica.
Durante séculos, isto não soava forçado.
Inglaterra Católica era, na verdade, só outra forma de dizer Inglaterra Cristã.
E então, numa geração,
deixou de ser algo óbvio
e tornou a ser uma traição.
Imagens da Virgem, dos apóstolos e dos santos
antigos e glorificados, eram agora objetos de troça e vandalismo.
Aqui em Binham, os santos comuns foram apagados,
pintaram sobre eles versículos de uma Biblia inglesa.
Hoje, estão restaurados,
porém o mundo que uma vez presenciou isto, há muito desapareceu.
Não podemos trazer de volta o mundo perdido dos santos pintados de Binham
completo e vivo.
Mas só porque a morte daquele mundo era tão incrível e improvável
e porque a Reforma e as guerras religiosas que provocou,
deixaram uma cicatriz tão profunda no corpo do nosso país
e devemos procurar fragmentos daquele mundo, o melhor que pudermos.
Só então poderemos, talvez, responder à questão mais preocupante de nossa história:
Que houve à Inglaterra Católica?
CRENÇAS ARDENTES
Todos crescemos, inclusive um bom garoto judeu como eu,
com a idéia de que a Reforma inglesa era uma fatalidade histórica,
a rejeição e eliminação de uma fé obsoleta, impopular e essencialmente não-inglesa.
Mas, na véspera da Reforma,
o Catolicismo na Inglaterra era vibrante, popular e estava muito vivo.
Este é Walsingham em Norfolk,
antigo lugar do altar milagroso
de N. Senhora de Walsingham.
Juntamente com o altar de Becket em Canterbury,
Walshingham era visita obrigatória a todos os peregrinos que se prezava no século XVI,
uma tradição revivida neste século pela Alta Igreja Anglicana.
Hoje só se ouvem ecos remotos do que Walsingham foi uma vez,
uma ruidosa e turbulenta mistura de artifício e santidade,
de piedade e santos de gesso;
o tipo de lugar que seria de esperar encontrar, por exemplo, Nápoles ou Sevilha,
não nas profundezas da sóbria East Anglia.
Mas até então, como hoje, nem todo o mundo o aprovava.
Erasmo, o erudito católico super estrela da época,
veio aqui numa peregrinação de gozação
e derramou sarcasmos sobre os óleos sagrados
das capelas chegados por correio aéreo da Terra Santa.
Mas esta era a opinião minoritária intelectual, expressada em latim
e tolerada, ainda que não necessariamente respaldada
pelos membros da dinastia Tudor governante.
Os Tudor eram os habituais e devotos peregrinos.
Henrique VIII, no início de seu reinado, caminhou descalço até o altar,
oferecendo um colar de rubis e dedicando um cirio gigante
em agradecimento pelo nascimento de seu filho, Henrique, em 1511.
O principe Henrique morreu após algumas semanas,
mas o cirio do rei continuou ardendo no altar por muitos anos.
Que mundo mais surpreendente esta Inglaterra Católica.
O anseio por uma renovação e reforma,
coexistindo com o antigo, o santificado e o ocasionalmente enganoso.
Mas parece que todas essas aparentes contradições
podiam encontrar acomodação sob as vastas saias
da Madre Igreja Católica.
E quão pequena mãe era!
Venham à Igreja da S. Trindade em Long Melford, em Suffolk
e verão o que quero dizer.
Este magnífico edifício era pago com o dinheiro de lã de Suffolk.
No entanto, o que vemos hoje é apenas um esqueleto do que devia ser.
Mas sabemos como era Long Melford realmente, em seu esplendor,
graças à história deixada por Roger Martyn, que havia sido sacristão aqui
durante o reinado da última rainha católica da Inglaterra, a Rainha Maria.
Escrevendo nos muito diferentes tempos da rainha Elizabeth,
Roger Martyn, com uma mistura de orgulho e tristeza,
se propôs contar às futuras gerações o que estava se perdendo.
Atrás do altar-mór um marco de bom tamanho,
esculpido de forma muito artística com a história da Paixão de Cristo,
tudo bonito, dourado e vivo e belamente apresentado.
E no extremo norte do altar
havia um grande tabernáculo dourado que atingia o teto da capela,
onde havia uma grande imagem da Santíssima Trindade, dourada e bela,
junto a outras delicadas imagens.
Mas a igreja de Martyn era mais que um edifício.
Martyn descreve um mundo vivo de procissões e festivais,
cerimônias e rituais que envolviam toda a comunidade.
Tudo isto presidido pela "direção", sem o que nada disso teria sentido.
Os sacerdotes, guardiões do mistério,
no coração da fé cristã tradicional.
Cada vez que o padre celebrava a comunhão,
Cristo crucificado estava alí em corpo e sangue.
O sacerdote era o homem indispensável,
não havia entrada para o Céu sem passar por suas mãos.
Mas noutros locais, outras mãos trabalhavam sem descanso.
A cura milagrosa estava prestes a ser desafiada pela palavra de Deus,
traduzida ao inglês e impressa em preto e branco.
Bíblias em inglês escritas à mão circuladas desde o dias dos Lolardos,
aquela heresia protestante que floresceu brevemente no início do século XV.
Porém os manuscritos representavam trabalho árduo e custava dinheiro a comprar.
Um Novo Testamento impresso, por outro lado, poderia ser produzido em massa
e vendido por um preço dez vezes inferior.
A idéia de uma Bíblia em inglês, barata e disponível a qualquer um que soubesse ler,
levou o temor de Deus às autoridades.
William Tyndale, um sacerdote ordenado,
era o primeiro a empreender a perigosa missão
de traduzir, publicar e imprimir uma versão em inglês do Novo Testamento.
Tyndale é um estereótipo histórico reconhecível.
Austero, duro, reto e até mesmo um pouco fanático
e reveladoramente claro em suas convicções.
"É impossível", escreveu, "inculcar aos leigos nenhuma verdade,"
"sem que as Escrituras estejam claramente expressas em sua língua materna".
Em 1524, Tyndale viajou de Londres ao continente,
chegando a Worms, Alemanha,
uma cidade segura e convertida, recentemente, ao Protestantismo
ao comprometer-se com as novas e radicais doutrinas de Martin Lutero.
O Novo Testamento de Tyndale foi concluído em janeiro de 1526
e em poucas semanas já haviam cópias à venda em Londres.
O que seguiu era a versão inglesa da Inquisição.
Denúncias, detenções, queima de livros, juizos ficticios.
Os que se retratavam eram forçados a levar feixes de lenha,
como símbolo da fogueira que os consumiria, se cometessem outro deslize.
E em 1530 o simbolismo deu lugar à crua realidade,
quando um padre chamado Thomas Hitton
confessou ter trazido um Novo Testamento de contrabando.
Condenado como herege, foi queimado em Maidstone em 23 de fevereiro.
A reforma havia feito sua primeira vítima.
E, animando tudo isso e aplaudindo,
estava o Rei Henrique VIII, submisso filho da Igreja,
cuja círio estava queimando alegremente em Walsingham há quase 20 anos.
No verão de 1530, enquanto se acendia o fogo sob o infeliz Hitton,
não havia razão para crer que nada iria mudar.
Para entender porque era assim, devemos entender algo sobre Henrique,
o homem que, sem realmente pretendê-lo,
converteu a Inglaterra Católica numa nação protestante.
Para começar, seu destino nunca havia de ter sido ser rei.
Mas quando seu irmão mais velho Artur morreu,
Henrique, na idade de 11 anos, tornou-se herdeiro.
Também herdou a mulher de seu irmão, a espanhola Catarina de Aragão.
O casamento-aliança entre Espanha e Inglaterra
era muito importante.
Em 1509, o Rei Henrique VII morreu
e seu filho de 17 anos assumiu o trono.
O jovem rei teria uma presença espetacular.
Poder-se-ia quase sentir-lhe o cheiro da testosterona.
E em qualquer lugar em que pudesse dar saida à sua energia, ele o fazia,
na sela de montaria, na pista de dança ou na de tênis,
donde uma bela cortesã escreveu que a pele do Rei...
"brilhava através do tecido de sua refinada camisa".
E ademais estava o famoso e despreocupado encanto que dispensava com o clima inglês,
em periodos ensolarados, alternando com momentos de nuvens e repentinas rajadas de trovão.
Seu charme era do tipo "palmadinhas na costas",
carinhosos golpes na barriga e braços sobre os ombros,
que, dependendo do humor desse mês,
podia patrocinar a um aumento súbito ou uma detenção iminente.
Henrique se divertia nos elogios que, generosamente, lhe dispensavam
os babosos cortesões e embaixadores.
Henrique, o galante, Henrique, o bonitão, Henrique, o inteligente, Henrique "superstar".
era o único rei que contratou sua própria banda de música, que viajasse com ele
e ele próprio como cantor e compositor.
Instado pelo Papa, que o tentou com o título de Defensor da Fé,
Henrique estava decidido a ter uma estréia espetacular na cena europeia.
Tentou que seu sogro espanhol, o rei Fernando,
se unisse em uma aventura conjunta contra seu inimigo comum, o rei Luís da França.
Falando-se de política traiçoeira, Fernando era um profissional,
aproveitando-se sem reparo do anseio de glória de Henrique,
ao não fornecer-lhe os exércitos que havia prometido.
Henrique seguiu sua aventura sem ele
e, no verão de 1513, venceu uma rixa com cavaleiros franceses,
como uma grande vitória chamada a Batalha das Esporas.
Entretanto, tanto em casa, a Rainha Catarina e seus consultores
conseguiram uma vitória militar de grande importância em Flodden Field,
que deixou o rei da Escócia, Jacob IV, e uma dúzia de nobres escoceses
caídos no campo de batalha.
Mas por trás de toda esta atividade, tanto em casa como fora,
abastecendo os exércitos, negociando tratados, canalizando as energias do Rei,
estava uma das mentes mais brilhantes equipadas para a organização da época,
o Arcebispo de York, em breve Chanceler da Inglaterra, Thomas Wolsey.
Sejamos sinceros, se pudéssemos encontrar algo, que nos viria bem como um Wolsey,
um Jeeves com caráter, alguém que venha a trabalhar todos os dias e diz:
"O que deseja Sua Majestade?" e logo vai e o faz.
Sim, de vez em quando, algum documento aparecerá em cima da mesa a ser assinado,
mas nada em realidade que vá interromper um dia duro de caça.
Wolsey era um gestor por excelência,
atento aos detalhes, tanto em assuntos materiais como humanos,
alguém que podia embelezar o Parlamento quando necessário,
ou dar algum golpe, inclusive a muitas cabeças aristocráticas,
quando a situação o exigisse.
Era um mestre na manipulação
de concessões, de honras, de subornos e ameaças.
Em outras palavras, era um psicólogo com toga de Cardeal.
Wolsey também entendia a relação entre exibição e poder.
Usou-a em seu próprio benefício aqui em Hampton Court,
mas também em benefício do Rei,
agindo como promotor dos maiores espetáculos de sua carreira,
o Campo de Pano de Ouro.
O encontro em 1520 entre Henrique e o jovem rei francês, Francisco I,
supunha-se que era uma demonstração de amizade sincera
e uma mensagem direta ao recém-eleito Imperador do Sacro Romano Império, Carlos V,
que os antigos inimigos poderiam, se necessário, coverter-se em amigos.
Mas converteu-se numa guerra de todas as formas, embora não com armas,
mas sim com algo muito mais mortífero: estilo.
No maior exercício de transporte levado a partir das campanhas de Eduardo III,
Wolsey embarcou a totalidade da classe dominante da Inglaterra.
Nobres, bispos, cavaleiros... 5.000 homens,
incluindo, em uma nada convincente mostra de humildade,
o próprio Cardeal ao lombo de uma mula vestido de veludo carmesim.
Houve música, fontes de vinho branco e tinto,
e grande quantidade de garças para comer.
Os reis passavam horas provando trajes glamourosos
que seriam ser usados apenas uma vez.
Combateram, não só com os obscuros problemas de estado, mas um contra o outro
e Francisco, mais ágil e disposto, acabou derrubando Henrique.
Seguro de que Henrique riu e seguro de que não lhe custou nem um cabelo.
Em algum lugar de todo este bizarro alvoroço,
havia uma jovem mulher inglesa,
dama de honra de Claude, a esposa do rei francês.
Esta seria a mulher que levaria a imensa máquina de poder de Wolsey
à ruina total
e com ela, inconcebivelmente, o poder da Igreja Romana na Inglaterra.
Seu nome era Ana Bolena.
Há muito lixo escrito sobre a pessoa de Ana Bolena,
tantos filmes de Hollywood,
tantas noveletas-rosas pseudo-eróticas
que nós, como historiadores sérios supomos que devemos desviar o olhar
da trágica história de sua vida
e concentrarmo-nos em questões mais sérias,
como as origens sociais e políticas da Reforma,
ou a revolução dos Tudor no governo.
Porém, por mais que tentamos, voltamos uma e outra vez à pessoa de Ana,
porque, se a estudarmos em detalhes, resulta que ela era, afinal,
a principal causa histórica número um.
Durante o Domínio do Pano de Ouro, Ana era uma adolescente.
Tinha estado fora da Inglaterra intermitentemente desde os 12 anos,
quando seu bem-conectado pai, o diplomata Thomas,
conseguiu convertê-la em dama de honra de Margarida da Áustria
em uma de suas muitas cortes,
esta daqui em Mechelen, Flandres.
Margarida era reconhecida como a autoridade da época em amor cortês,
essa forma teatral de flerte aristocrático
em torno da qual havia se desenvolvido toda uma cultura.
Desejo eternamente adiado, paixão sexual transfigurada em amor puro e altruísta,
trovadores, máscaras, lenços de seda e muitos suspiros.
Essa era a teoria, pelo menos.
Uma vez que sob a teatralidade da superfície,
provocavam os instintos básicos de toda a vida.
Ana retornou à Inglaterra em 1522,
como uma sofisticada, dotada e ambiciosa jovem com suas próprias ideias.
Ana Bolena entrou no brilhante e perigoso mundo
da corte dos Tudor em seus vinte anos.
Fisicamente, não era grande beleza, Apesar de seu longo cabelo e olhos negros,
mas sabia como explorar sua vivacidade natural
e jogar o jogo do amor cortês.
Um dos primeiros a cair foi um homem tão sofisticado como ela,
Thomas Wyatt, o epíteto do cortesão renascentista.
Soldado, diplomata e, acima de tudo, um poeta.
Seus poemas estão carregados de convencionais suspiros de amor,
mas, nos inspirados por Ana, os suspiros vinham do coração.
Wyatt, infelizmente casado, percebeu que não teria escolha com ela
e em um de seus famosos poemas se compara a si mesmo
com um caçador perseguindo um cervo em vão.
Sem poder se divorciar de sua esposa,
tudo o que Wyatt poderia dar a Ana era converter-se em seu amante,
insuficiente para uma garota ambiciosa abrindo caminho.
Além disso, havia outra razão que ele nunca poderia caçar sua cerva,
como seu poema explica.
"Gravado com diamantes em claras letras
"em torno de seu gracioso colo está escrito, 'Nole me tangere'
"Para César ainda que pareço dócil selvagem sou para o que pretenda ter-me".
"Nole me tangere", não me tocar,
já que César, também conhecido como Henrique VIII,
já havia iniciado a mesma caça,
e o Rei, como já sabemos, era um incansável caçador.
Henrique teve que trabalhar muito duro para conseguir Ana, mais do que nunca.
O homem que, como Wolsey poderia atestar, odiava escrever cartas,
escreveu montes, na intenção de ganhá-la.
Ela representava tudo o que Catarina de Aragão não era.
Dez anos mais jovem, alegre em vez de piedosa,
fogosa em vez de severamente respeitosa,
Ana abria o caminho à satisfação sexual, à felicidade doméstica
e, talvez o mais importante de tudo, a possibilidade de um filho herdeiro.
O distanciamento entre Catarina e Henrique remonta a 1511
com a morte de seu filho Henrique,
que, apesar das ofertas feitas em Walsingham viveu só umas semanas.
Catarina deu à luz depois a uma filha, Maria, em 1516.
Mas Henrique começou a se afastar de sua rainha.
Depois de mais de 20 anos,
Henrique não tinha um herdeiro legítimo nem prospecto de tê-lo.
E quando Ana apareceu em cena,
Henrique estava convencido de que em seu casamento pesava uma maldição divina.
O rei era um freqüente leitor das Escrituras
e se lhe devia cortar a respiração
cada vez que lia o Capítulo 20, Versículo 21, do Levítico,
em que o mesmo Deus disse a Moisés...
"Se um homem toma a mulher de seu irmão, comete adultério...
"...ambos ficarão sem ter filhos."
Levado pelo seu medo da extinção dinástica e por sua paixão a Ana,
que, como de costume, se recusou a se tornar sua amante,
Henrique se aferrou ao divórcio como a solução de todos seus problemas.
Henrique queria uma anulação papal do casamento com base no incesto.
Mas o Papa não estava em suas funções,
já que, em maio de 1527, os exércitos do Imperador Carlos V saquearam Roma,
fazendo o Papa Clemente virtual prisioneiro.
E Carlos, que era sobrinho da Rainha Catarina,
não ia permitir a anulação enquanto estivesse no comando.
Wolsey era o primeiro a ser arrastado pela crise.
A Henrique não lhe servia um remendo se não podia resolver isto
e rapidamente se livrou de Wolsey, acusado de fraude e corrupção.
Antes de um ano, estava morto, acusado de alta traição.
era a mesma Ana que, em algum momento de 1530,
levou todo o problema em uma direção radicalmente nova.
Colocou, literalmente, em mãos de Henrique
um pequeno livro que a ela parecia não só essencialmente certo,
mas sim, também, dadas as circunstâncias, extremamente útil.
Escrito pelo arqui-propagandista William Tyndale, seu título era
"A obediência do cristão e como os líderes cristãos devem reger".
Como todas as obras de Tyndale era um texto incisivo.
"Um rei, uma lei, é o decreto de Deus em todo o reino", escreveu.
Em outras palavras, a lei do bispo de Roma não era válida na Inglaterra.
Mas Ana não havia terminado todavia.
Com a típica mistura de convicção e interesse pessoal,
encomendou a uma junta de experts teólogos, incluindo Thomas Cranmer,
que encontraram documentos da história dos primórdios da Igreja
que demonstraram supremacia real.
Henrique, quanto mais aprendia sobre seu poder supremo, mais gostava.
Pode ter começado como uma tática de intimidação política,
mas agora a supremacia real parecia, por si mesma, uma verdade irrefutável.
Quase podemos ouvi-lo dando um tapinha na cabeça exclamando...
"Como pude ser tão estúpido por não perceber isso?"
Não devemos nos surpreender, então que, no verão de 1530,
a reveladora palavra "imperial" comece a aparecer nas observações do rei.
Os Imperadores, naturalmente, não reconhecem a superioridade de ninguém na terra.
O ego de Henrique, nunca precisamente a parte mais modesta de sua personalidade,
começou a adquirir dimensões imperiais.
E teria palácios para albergá-los; 50, antes do final de seu reinado.
Alguns dos maiores e magníficos haviam sido de Wolsey,
o mais notável em Hampton Court,
que se tornou agora no cenário teatral da vida cortesã.
Nada nos dá melhor medida da magnitude da corte de Henrique
que o tamanho de espaço necessário para encher seu estômago.
Aqui, as cozinhas de Hampton Court, empregavam 230 pessoas,
que serviam a outras 1.000 que, cada dia, teriam direito de comer às custas do Rei.
Três enormes copas só para a carne,
uma úmida, especialmente concebida para o armazenamento de pescado,
alimentada por água das fontes do exterior,
depósitos de especiarias, frutas, seis imensas lareiras.
Três enormes adegas capazes de armazenarem 300 barris de vinho
e os 2.500.000 litros de cerveja que essa corte bebia anualmente.
E o cerne de tudo isso,
cuidadosamente protegido em seus quartos privados de indevida exposição.
Estava o novo César da Inglaterra:
o Rei, em seus 40 anos, colossal, autocrático,
no dorso de um reino com todo o poder e autoridade divinos
dos Césares romanos.
E, inevitavelmente, a Igreja, com sua lealdade à Roma,
se encontrava agora no lado errado duma desagradável briga.
Como deveriam tremer no palácio do Arcebispo de Canterbury, em Lambeth,
quando ouviram Henrique dizer de seus bispos...
"São só súditos nossos, sim, apenas súditos nossos".
A ameaça era clara e a capitulação inevitável.
Chegou a primavera de 1532 com o que se chamou Submissão do Clero,
que cedeu ante todas as exigências de Henrique.
De agora em diante, as leis da Igreja seriam regidas pela vontade do Rei
e a vontade do rei era clara:
Divórcio de Catarina, matrimôniocom Ana, declarar bastarda a Princesa Maria
e reconhecimento da criança que, na primavera de 1533,
já começava a encher a barriga de Ana.
Ana foi devidamente coroada na Abadia de Westminster em maio
por um novo Arcebispo de Canterbury,
o serviçal Thomas Cranmer.
Assim pois, uma espécie de reforma, mas não ainda uma reforma protestante.
A Igreja inglesa podia haver rompido com Roma,
mas nenhuma doutrina essencial havia sido tocada.
Preservava-se a presença real de Cristo na missa.
Os sacerdotes deviam permanecer celibatários.
As orações da Bíblia seguiam sendo em latim.
As belas vidraças da Igreja de Fairford, em Gloucester
não ofendiam nenhuma doutrina oficial.
E assim podiam haver permanecido as coisas> Mas isso não aconteceu.
Para compreender por que agora devemos
examinar uma das mais extraordinárias associações da história britânica,
a do Arcebispo Thomas Cranmer e Thomas Cromwell,
o homem que tinha feito o trabalho sujo de Wolsey e agora era secretário de Estado.
Aqui os temos a estranha parceira Tudor,
na capa de uma Bíblia Inglesa.
Sem qualquer dos dois, a Reforma não ocorreria,
ao menos não da forma como ela aconteceu.
Porque eram como dois pilares, o teológico à esquerda
e o político à direita, com o o Rei triunfante no meio.
Suas intenções foram sempre mais radicais que as do Rei.
O protestantismo de Cromwell
era produto de uma espécie de instinto assassino "anti-establishment"
esperado de um sabido de Putney tentando fazer um nome.
As convicções de Cranmer foram mais profundas e reflexivas,
mas ele também tinha fortes razões pessoais para aliar-se com os Reformadores.
Pouco tempo depois de ser nomeado Arcebispo de Canterbury,
Cranmer tinha se casado em segredo com uma alemã, Margarida,
comprometendo-se assim com uma das inovações mais radicais de Lutero.
Cranmer, como Cromwell, era partidário da ideia Renascentista
de um príncipe forte num estado cristão forte.
Ao povo seria dada sua Bíblia,
autorizada e não se toleraria qualquer outra versão.
Esta imagem de uma metódica, e mesmo autoritária Igreja Anglicana
é justamente o que vemos na capa desta grande Bíblia,
encarregada oficialmente por Thomas Cromwell e publicada em 1539.
Thomas Cromwell é provavelmente o menos sentimental dos homens
que jamais havia conduzido o país.
Entendeu com uma clareza que Henrique jamais alcançaria,
que não era suficiente proclamar a ruptura com Roma
e depois esperar que todos fizessem o mesmo.
Previa uma luta, e estava preparado a lutar duro.
Cromwell sabia que mais cedo ou mais tarde
o Papa sacaria a reluzente de sua arma pesada:
a excomunhão. E se o Rei queria ganhar a guerra,
deveria contra atacar com algo mais ou menos novo na linguagem política,
o patriotismo.
O país devia despertar para um novo sentido de soberania, seu próprio poder.
Diabolizar Roma como o estrangeiro, o inimigo.
Neste motor de propaganda chauvinista,
Cromwell adicionou os necessários mecanismos de coerção.
Havia de prestar um juramento reconhecendo a supremacia real,
a legitimidade dos herdeiros do Rei e da Rainha Ana,
e tornar Maria bastarda.
Insultar a nova rainha era traição,
chamar herege ou cismático ao Rei era traição.
Pela primeira vez na lei Inglesa era um crime simplesmente dizer coisas.
Cromwell conseguiu converter a Inglaterra num lugar de lamentos, nervosismo e medo,
onde a denúncia era um hipócrita dever
e inúmeráveis pequenos delitos se saldaram por pessoas que afirmavam
que apenas faziam "o correto".
Em nenhum outro lugar do sistema de mãos duras de Cromwell
sua força de choque parecia desfrutar mais do seu trabalho
que em suas visitas aos mosteiros,
realizadas com rapidez meteórica durante 1535 e início de 1536.
O desenraizamento de quase 10.000 monges e monjas,
a destruição total do antigo modo de vida
teriam pouco a ver com o zelo reformador.
Se olharmos atentamente os esquadrões de Cromwell em ação
não lhe dão a impressão de ser um grupo de homens
que se viram a si mesmos como renovadores. Destruidores, mais certo.
Para começar, pareciam desfrutar de seu trabalho um pouco mais do devido.
"Acuso-o de ocultar uma traição", escreveu um dos assassinos
de Cromwell a seu chefe sobre um prior que teria sua misericórdia.
"Chamei-o sujo traidor nos piores termos que me ocorreram,
"e ele todo o tempo de joelhos pedindo que intercedesse por ele"
"e não contara as razões de sua ruina."
Esses eram os prazeres da reforma.
A bonança de bens que se seguiu à dissolução dos mosteiros
era de uma magnitude que nenhuma outra revolução jamais alcançara.
Abadias como esta em Laycock, se ofereciam a preços de porão
e a lealdade à nova ordem se assegurava com tijolos e argamassa.
Os anteriores residentes foram rapidamente esquecidos
ou reduzidos a lendas familiares de monjas sem cabeça ou espectros de monges.
Chamemos o seguinte capítulo da história: "circa regna tonat",
ao redor do trono o trovão ruge.
Thomas Wyatt usa esta frase num poema escrito em uma cela na Torre de Londres
depois de ter testemunhado a execução de cinco homens inocentes.
Alguns dias mais tarde, morreria também uma mulher inocente.
Como provavelmente sabemos, era Ana Bolena
e como você provavelmente pode adivinhar, o autor do sangrento drama
foi Thomas Cromwell.
Não foi o nascimento de uma menina em 1533, Isabel, o que condenou Ana.
Henrique estava decepcionado, mas não se voltou contra sua esposa.
Não, passou a mão sobre a cabeça do bebê,
reconhecendo-a como filha legítima
e esperando ter melhor sorte da próxima vez.
18 meses depois, Ana estava grávida novamente.
No início de janeiro de 1536, mais boas notícias.
Catarina de Aragão havia morrido.
Henrique respirou aliviado. Deus seja louvado", disse,
por deixar-nos livres de qualquer suspeita de guerra".
Talvez foi neste ponto em que os mecanismos cerebrais de Cromwell
começavam a maquinar.
Cromwell havia decidido planejar uma reconciliação
entre Henrique e o Imperador Carlos V.
Com Catarina, a tia do Imperador, fora de circulação,
a ocasião era perfeita à exceção de um detalhe: Ana
Já que o preço da paz, sem dúvida, incluiria relegitimizar Maria,
algo a que nunca Ana concordaria.
Consequentemente, argumentou Cromwell, Ana deve ir-se.
Em 29 de janeiro, Ana teve um aborto.
Se o bebê tivesse vivido, seria um menino.
O desastre pareceu despertar os mais sinistros receios de Henrique.
"Vejo agora que Deus nunca me dará um herdeiro", disse a Ana.
A um de seus íntimos sugeriu que Ana o havia seduzido por bruxaria.
Ana estava indefesa.
Cromwell se moveu contra ela com assombrosa velocidade e ferocidade.
Desde a decisão de agir, tomada em torno da Páscoa de 1536,
às primeiras detenções, passaram apenas duas semanas.
Ana estava condenada.
O que Cromwell então preparou foi um ato de pura maldade,
um guisado com ingredientes medidos com mimo: uma parte de loucura e uma parte pornográfica.
Momentos de flertes, algo nada impróprio numa corte renascentista.
Um lenço que não era do Rei deixado cair em um torneio de um 1º de maio.
Uma dança com um jovem, que tampouco era o rei.
Um beijo ao vento, uma risadinha.
Tudo isto foi distorcido por Cromwell num carnaval de sexo diabólico e traiçoeiro.
A Rainha, aparentemente, havia dormido com quase todos.
Havia dormido com o músico, com o vassalo do rei
o mais importante cortesão da câmara privada.
Havia dormido com parceiros do Rei, no tênis, supostamente em conjunto.
Havida dormido inclusive com seu próprio irmão.
Havia procedido como uma possessa Messalina,
esta diabólica orgia de traição,
talvez mesmo conspirando para fazer passar o fruto envenenado nesta copulação
como herdeiro real.
Foi a confissão de seu músico, Mark Smeaton, arrancada sob tortura
que deu o selo de legalidade aos assassinatos judiciais de Cromwell.
Foi suficiente condenar à morte aos cinco amantes de Ana
Thomas Wyatt, varrido pelas ondas de detenções, mas salvou a vida,
viu-os morrer, olhando através das barras de sua cela, no campanário.
"O campanario me mostrou tal visão que permanece em minha cabeça dia e noite,
"e aprendi através do portão que apesar de todo favor, glória ou poder,
"circa regna tonat."
Dois dias mais tarde, foi a vez de Ana.
Como privilégio especial,
trouxeram da França um verdugo especialista para fazer o trabalho.
"Ouvi dizer que o carrasco é muito bom", disse Ana ao guarda da torre.
"E meu pescoço é pequeno."
E então, colocou as mãos no pescoço e desatou a rir.
Quando a notícia da execução de Ana chegou a Dover,
disseram que as velas da igreja da cidade acenderam-se sozinhas.
Para a grande maioria do país,
que apesar da ruptura com Roma, consideravam-se ainda católicos,
sua morte pareceu a sentença largamente anunciada
a todos àqueles chamados hereges e livreiros de araque.
Cromwell, entretanto, enfureceu seu ataque contra a velha religião
com uma série de duras ordens impondo a supremacia real,
esmagamento do culto a santos e altares.
O altar a Becket em Canterbury, o mais rico do país,
foi vandalizado e saqueado.
No ano seguinte, 1537, Henrique, com a nova esposa, Jane Seymour,
comemorou a desejada chegada de um filho, Eduardo.
Mas, doze dias mais tarde, chorava a morte de sua nova rainha.
Em Walsingham, uma estátua da Virgem foi queimada.
O livro de contas de Henrique desse ano contém o seguinte extrato cruel:
"Pago pelo grande cirio do Rei em Walingham".
"Salário do Abade - Zero".
Mas então algo extraordinário ocorreu.
O rei decidiu que já era suficiente e tratou de meter o gênio de volta à garrafa.
Instintivamente conservador, estava alarmado e furioso pelas paixões
que o conflito religioso havia levantado.
E culpou a Biblia Inglesa.
Em vez de ler em paz e silêncio,
a Bíblia era agora objeto de amargas e desinibidas discussões
em cervejarias e tabernas,
precisamente o oposto das cenas respeitosas
prometidas na Grande Bíblia de Cromwell.
Em 1543 aprovou-se uma lei restringindo a leitura dessa Bíblia
a clérigos, nobres e burgueses.
Para as pessoas comuns, que haviam se habituado a um Deus que fala inglês,
isto era uma verdadeira perda.
Disto nos dá uma idéia, uma breve inscrição
escrita esse ano por um pastor em Oxfordshire
na guarda de um pequeno panfleto religioso.
Diz, "Comprei este livro quando a leitura do testamento"
era proibida aos pastores".
"Rogo a Deus que remedie esta cegueira."
"Escrito por Robert Williams pastor de ovelhas em Saintbury Hill."
Quando Williams escreveu esta oração em sua colina,
o curso da reforma na Inglaterra havia sofrido grandes reveses.
Em 1540 Cromwell havia caído, arrojado ao verdugo
depois que seus planos de aliança com príncipes luteranos europeus fracassaram.
Infelizmente para Cromwell, a princesa luterana, Ana de Cleves,
a princesa que havia encomendado a Henrique por correspondência,
acabou não ser nem de longe tão monástico como a havia pintado Hans Holbein.
Até então, o Parlamento havia aprovado os seis artigos
que, sob pena de morte, ilegalizavam o casamento de padres
e reafirmava a santidade da missa.
Para consternação dos reformadores,
estas essenciais crenças católicas resultaram ser também as de Henrique.
Então, a posição final de Henrique em matéria de religião foi esta:
uma Igreja nacional divorciada de Roma, mas casada agora com a Coroa inglesa,
despojada de cultos e parafernália, mas ainda essencialmente católica.
Considerando todo o ocorrido,
Henrique estava bastante satisfeito do caminho intermediário que pensou ter encontrado.
Isto é o que vemos neste enorme quadro do estudio de Hans Holbein
o rei Henrique, todo poderoso e onisciente,
tutor e governante do reino terreno e espiritual.
Os submissos personagens a seus pés são o grêmio de barbeiro-cirurgiões.
Aclamam o rei como o sanador e grande médico,
que é exatamente como Henrique se via a si próprio ao fim de sua vida:
o curandeiro que havia posto o corpo da Inglaterra na mesa de operações
e extirpado os cânceres do papismo e da superstição.
O paciente está já completamente recuperado, a nação agradecida,
a operação um sucesso total.
Só que, obviamente, não o foi, porque depois de Henrique viriam seus filhos,
cada um com sua própria idéia do que era melhor para a saúde do país,
Eduardo, o herdeiro natural, e suas irmãs, Maria e Isabel,
ambas restituidas à sucessão
algumas semanas depois da morte de seu pai.
Entre eles cobria todo o espectro religioso
desde protestante da linha dura, a católico fanático.
E o caminho que o país tomaria após Henrique,
de volta a um passado católico, ou a um futuro protestante,
dependeria, como nunca antes, da loteria de nascimentos, óbitos e casamentos.
Quando Henrique morreu em 1547,
deixou 600£ para pagar dois sacerdotes para rezaram pela sua alma.
Pergunto-me como pareceu não se dar conta
que Eduardo havia sido educado por fervorosos protestantes
que, obviamente, não estavam para palavreado supersticioso.
Liderados por Thomas Cranmer, viam o menino-rei de nove anos
como o novo Josias,
o rei bíblico, que assumiu como missão destruir a idolatria.
Esta sim iria ser a verdadeira reforma.
Viram sinais do que ocorreu durante os seis anos do reinado de Eduardo.
Todos os costumes e cerimônias da velha Igreja,
a bênção das velas na Candelaria ou de palmas no Domingo de Ramos foram proibidos.
As confrarias e irmandades religiosas desapareceram.
A adoração aos santos que haviam sobrevivido aos ataques de Cromwell,
junto com suas relíquias e romarias, foram proibidas.
Imagens, estátuas, vitrais, quadros,
foram atacados com cinzéis e cal.
Um novo Livro de Oração obrigatório em todas as paróquias pela primeira vez
levou o inglês ao coração dos serviços religiosos.
Para se ter uma idéia da revolução cultural que teve lugar,
só teríamos de vir aqui à Igreja de Hailes, em Gloucestershire.
Três anos de iconoclastia promovida pelo estado produziu isto.
Não mais altares de pedra, apenas só uma funcional mesa de comunhão.
Todas essas regras estão arquitetados para eliminar a distância
entre o padre e seu rebanho.
A Comunhão que tinha sido uma barreira protetora do mistério da Missa
é agora um simples acesso à comunhão,
uma reunião dos fiéis juntamente com seu padre.
E se isso não fosse suficientemente chocante,
imaginem um dia qualquer de 1550,
quando, pela primeira vez, o sacerdote convidou a congregação a comungar,
usando as palavras inglesas nunca ouvidas antes numa igreja,
"queridíssimos todos".
Sua familiaridade devia envergonhar muitos,
como quando ouvirmos hoje algum vigário moderno dizer, "Chame-me Bob".
Esta transformação radical não teria sido possível
sem o apoio ativo de Eduardo.
Mas enquanto Eduardo liderava o Estado protestante, encontrou resistência em casa,
como registra em seu diário.
Lady Mary, minha irmã, veio a mim em Westminster,
onde, após as saudações,
se informou de por quanto tempo havia suportado sua missa.
Ela respondeu que sua alma era de Deus e que não mudaria sua fé.
não dissimulará sua opinião fingindo o contrário.
A crônica de Eduardo registra uma das várias confrontações
que ele e seus assessores tiveram com Maria.
A Missa havia sido banida desde o Ato de Uniformidade em 1549,
porém Maria, ignorou a proibição.
Na verdade, aumentou sua frequência em duas, até três vezes ao dia.
Pode que tivesse um exagero complexo de mártir,
mas Maria, a católica, sabia que seu desafio era só para ganhar tempo,
esperando que Eduardo morresse, preferivelmente sem descendência.
E isto foi exatamente o que aconteceu em 1553.
Assim que a primeira mulher governante desde a Rainha Matilde
subiu ao trono com só dois objetivos em mente:
devolver à Inglaterra a obediência à Roma,
e ter um herdeiro católico que a mantivesse assim.
O primeiro objetivo foi alcançado surpreendentemente com pouca resistência
após os esclarecimentos de que todos os hectares de terra
e todos os bens vendidos durante a dissolução dos mosteiros
não seriam devolvidos à Igreja.
Em 1554, as duas Câmaras do Parlamento, arrependidas como crianças doentes,
se ajoelharam e pediram perdão ao delegado do Papa, o Cardeal Poole,
por toda a legislação anti-papal adotadas desde 1530.
Ordenou-se repintar as igrejas, esculpir crucifixos
e restaurar a missa em latim.
A Inglaterra hereje havia sido bem-vinda de volta ao redil
e perdoada pela Madre Roma.
Mas tudo isso seria literalmente inútil
se Maria fosse incapaz de ter um herdeiro católico romano.
Elegeu como marido Felipe II da Espanha.
Para Maria, naturalmente, esta união teria um significado pessoal especial,
a reivindicação de sua defunta mãe espanhola, Catarina de Aragão.
Se um casamento católico com a Espanha havia sido bom para a Inglaterra, então,
seria bom para a Inglaterra agora.
Mas isso havia ocorrido há 50 anos.
E haviam feito muitas coisas que não poderiam ser desfeitas.
Um casamento católico não podia agora dar-se por prudente.
Agora parecia uma má ligação. Parecia uma idéia estrangeira.
A Rainha era uma espanhola de coração, declarou,
e ama a outro reino mais que a este.
Quando Thomas Wyatt, o filho do admirador poeta de Ana Bolena,
levou um exército às portas de Londres, proclamou-se um patriota,
com o juramento, disse, "de eliminar aos estrangeiros."
A xenofobia não foi suficiente para destronar a Rainha Maria.
O exército de Wyatt se diluíu.
Encantada de que pela primeira vez em sua vida solitária
teria alguém em quem confiar, um consorte espanhol,
Maria empreendeu com fervor a tarefa de limpar o reino do protestantismo herege,
desfazendo a reforma de Eduardo tão intensamente quanto pôde.
Com fogo, se era o que fazia falta para concluir o trabalho... e assim foi.
Em três anos, 220 homens e 60 mulheres arderam nas fogueiras de Maria.
Alguns, como o Arcebispo Cranmer, foram vítimas de alto nivel,
mas a maioria eram pessoas comuns, alfaiates e açougueiros.
E não só morreram os que sabiam ler.
Rawlings White, um pescador, enviou seu filho à escola para aprender a ler,
para que ele pudesse ler a Bíblia todas as noites depois do jantar.
Joan Waist de Derby, uma pobre mulher cega,
economizou para um Novo Testamento e logo pagava às pessoas para lê-lo.
Mas tudo isso foi em vão já que Maria, como Eduardo, morreu sem descendentes,
sofrendo freneticamente por duas falsas gestações,
e segundo um câncer de útero.
A ressurreição da Inglaterra Católica estava condenada.
Ana Bolena havia triunfado do túmulo sobre Catarina de Aragão,
como sua filha, Elizabeth, sobreviveria a Maria a desfazer todos seus desejos piedosos.
Isabel assumiu o papel de curandeira,
o que levaria aos violentos movimentos do pêndulo das guerras religiosas
à calma e estabilidade do centro,
ao caminho médio entre os eleitos por seus meio-irmãos.
Legalizou a Missa e reintroduziu o Livro de Oração Comum,
mas permitiu e incentivou o clero a permanecer no celibato
e não mostrou interesse algum em abolir do calendário católico os santos dos dias.
Mas quando Elizabeth havia apagado os fogos do fanatismo religioso,
acendeu-os nas mamas dos patrióticos ingleses e inglesas.
Devido a muita precaução que teve, não conseguiu evitar ser vista por muitos
como a restauração do verdadeiramente inglês.
Com Isabel, descobriu-se o sentimento do inglês,
comemorado e clamado desde os telhados
sendo acima de tudo, um sentimento protestante do inglês.
Em retrospectiva, este deveria ter sido sempre o plano de Deus.
Agora, protestantismo e patriotismo eram a mesma coisa,
e a história que acabam de ver
que, no início, não tinha nada a ver com a identidade nacional,
acabou obcecada por ela.
E quando o Papa ofereceu a bênção a qualquer que assassinara Isabel,
esse vínculo, todavia, se fazia mais forte.
Agora os católicos seriam obrigados a escolher entre sua Igreja e sua Rainha.
Padres católicos ingleses formados em seminários estrangeiros
eram introduzidos ilegalmente no país ou acabavam mortos
ou escondidos por famílias católicas que eram ricas e poderosas o suficiente para fazê-lo.
Então, fazemos, agora, a pergunta com a qual começamos o programa:
"Que foi da Inglaterra Católica?"
A resposta é que acabou aqui,
em um esconderijo para sacerdotes como este em Sawston Hall, nos arredores de Cambridge.
O esplendor de Long Melford reduzido a uma igreja clandestina.
Para os católicos da Inglaterra Elizabetana
a retirada do clero às casas de campo
seria seu desastre final...